23 janeiro, 2011

«Não se pode deixar um bebé chorar»



altRecuperar o instinto e não impor objectivos de adulto na relação com os bebés são um bom resumo da conversa que a conhecida médica e autora de livros dedicados à gravidez, parto e pediatria manteve com a PAIS&Filhos. Longe das receitas e de regras rígidas, Miriam Stoppard garante que os pais sabem sempre o que é melhor para os filhos.

Garante que uma família feliz terá filhos felizes e saudáveis.
A felicidade é uma vitamina fundamental para a saúde. Com tanta literatura sobre pediatria os pais ficam confusos sobre os caminhos a seguir. Depois de alguma liberdade assistimos ao regresso de teorias rígidas. Não acredito em nada rígido em bebés e crianças. Acho que os pais têm de ser flexíveis e seguir os sinais que a criança vai dando, em vez de tentar impor os seus objectivos adultos aos filhos. Os pais esperam demasiado dos seus bebés e eu quero que eles saibam como os bebés desenvolvem competências e como os adultos podem ajudar a desenvolvê-las. É importante não se esperar muito demasiado cedo. Não acredito de todo em seguir regras rígidas de um qualquer livro ou autor. Não pretendo saber o que é melhor para os pais, porque só os próprios sabem isso. O que eu quero é transmitir confiança aos pais para seguirem os seus instintos, que estão sempre certos. Não acredito em ensinar os pais, porque parece-me de enorme arrogância que alguns especialistas saibam mais do que é melhor para a família. Não podem.

A geração actual de pais é muito criticada pelos avós por serem demasiado flexíveis, por serem escravos dos filhos, invocando as suas experiências, como por exemplo: «deixem o bebé chorar no quarto que depois acalma».
Sou absolutamente contra deixar um bebé chorar. Actualmente, todos sabemos o que acontece no cérebro dos bebés quando choram. Até um bebé ter seis meses não tem capacidade para se acalmar. Os bebés precisam de ser ensinados, encorajados a aprender a lidar com o choro, com a sensação de desconforto, a frustração. Os bebés precisam que lhes mostremos como fazer e a única forma de ensinar um bebé a acalmar-se é o adulto sossegá-lo calmamente para que se habitue a estas sensações boas. Ajuda falar baixinho e gentilmente, embalá-los, fazer festinhas, pegar ao colo. Estas sensações positivas e gratificantes vão ficando na memória do bebé que a pouco e pouco vai memorizando esse património positivo. Ao contrário, deixar um bebé chorar é cruel. Quando um bebé chora o cérebro desencadeia uma série de reacções desenvolvendo-se num determinado sentido para o resto da vida. É como uma impressão digital. Os bebés que são deixados a chorar serão mais mal dispostos, difíceis de confortar, choram muito, serão difíceis de acalmar e quando crescerem tornam-se crianças anti-sociais, menos afectuosas, não fazem amigos facilmente e vão ter problemas de aprendizagem na escola. E tudo isto acontece porque se deixa um bebé chorar. Por outro lado, se se confortar o bebé ele apreende os sentimentos amorosos de segurança e satisfação, o cérebro produz sensações agradáveis o que desencadeia um desenvolvimento num sentido completamente diferente. Esse bebé será naturalmente mais amistoso, fará amigos facilmente, será capaz de partilhar, afectuoso, com boa capacidade de concentração e terá um melhor desempenho na escola. Isto nós sabemos. É ciência. A ciência é que nos explica porque não devemos deixar um bebé chorar.

A ciência manda os pais pegar nos bebés ao colo, tocar, cantar, dar mimos
Sim.

Valoriza muito o conceito de família. As famílias hoje são muito diferentes.
É verdade que valorizo imenso. Acho que é o melhor ambiente para uma criança crescer, mas as famílias podem revestir todo o tipo de configurações. Eu própria tenho dois enteados e duas enteadas, onze netos e não faço qualquer distinção entre os filhos dos meus filhos ou os dos meus enteados. Na minha família há quatro avós. A felicidade é uma vitamina essencial para o crescimento. O amor também é. E para uma criança não interessa de onde vem o amor. Eles só querem é sentir esse amor porque os faz sentir bem, seguros, auto-confiantes.

Todos precisamos.
Mas é ainda mais importante para uma criança. Quanto mais pessoas uma criança tiver na sua família (na sua tribo) melhor será e mais probabilidades teremos de ter crianças saudáveis. Por isso, sim, sou defensora acérrima da família qualquer que seja o tipo de família. Acredito nas reuniões familiares alargadas, seja em festas de aniversário, ou outras.

Os rituais são importantes?
Todos os rituais, o Natal, a Páscoa, os aniversários. É fácil perceber como as crianças adoram estas festas. As que não têm família nessa dimensão por volta dos três, quatro anos escolhem figuras como o carteiro, a empregada, a professora, o cão, o gato porque todas as pessoas do seu mundo são a família deles. Por isso, as crianças adoram a ideia de famílias grandes e de muitas relações e adoram conhecer mais e mais gente, os primos afastados, os tios em terceiro ou quarto grau e percebem muito rapidamente.

As famílias são cada vez mais pequenas, há mais pais solteiros e filhos únicos. A família tem de ser a de laços de sangue? Os amigos podem desempenhar essa função
.
Claro. E podem promover dormidas em casa de amigos, saídas com amigos com filhos pequenos, trazer amigos da escola para casa.

Ser-se mãe ou pai solteiro não é uma questão.

Não deve ser. Ser mãe ou pai solteiro pode ser muito duro mas pode ser feito.

Se pedir ajuda fica mais fácil.
Claro e sabe uma coisa? O que é bom para a criança é bom para o pai ou mãe. É que se procurar trazer amigos da criança para casa, ou organizar saídas de amiguinhos o adulto naturalmente conhecerá outros pais, o que lhe permite alargar a sua própria rede de contactos sociais.

Mudando um bocadinho de tema, gostava de saber a sua opinião sobre a polémica de dormir com os pais (cosleeping). Nunca diz que os pais não podem levar os filhos para a cama.
É verdade.

Porque há tanta gente contra o co-sleeping?
Eu sei porquê. Em primeiro lugar há regras básicas: um fumador não deve ndormir com um bebé porque as toxinas dos cigarros ficam impregnadas na pele e na roupa e o bebé respira-as. Sabemos que os filhos de pais fumadores têm mais infecções respiratórias, gastroenterites. A segunda regra é que o bebé não deve dormir nunca ao pé de quem esteve a beber porque os reflexos do adulto ficam diminuídos e sem querer pode deitar-se em cima do bebé sem se dar conta. E o mesmo se aplica a quem toma drogas. É também muito importante que não se durma com um bebé num sofá porque fica muito calor e o bebé aquecer demasiado não é bom. É, aliás, um dos perigos identificados da morte súbita.
Eu tenho tanta preocupação com o sobre aquecimento dos bebés que a proximidade de um adulto na cama me faz recear. Mas isso já sou eu e os meus medos. Na vida real, eu sei que os pais levam os filhos para a cama deles e se essa for a única forma de fazer o bebé parar de chorar é muito tentador levar o bebé para a cama dos pais. Eu preferia que o berço estivesse ao lado dos pais, para que quando o bebé chorasse um deles levantasse o braço e fizesse festinhas ritmadas ao filho, que é muitas vezes o que eles precisam sentir.
O meu filho mais novo chorava bastante de noite e eu acabei por montar um colchão de campismo ao lado da cama dele. Se ele chorava eu levantava o braço, toca-lhe, dava-lhe umas pancadinhas amorosas e isso chegava para ele. Saber que eu estava ali confortava-o e sossegava-o. Sinceramente, acho este cenário preferível. A verdade é que se diz que os pais que levam os filhos para a cama têm um reflexo instintivo – isto aplica-se às mães não sei se os pais também têm – e que mantém um grau de alerta que as impede de se deitar em cima dos filhos. Não sei se está provado.
No fundo, o que eu acho é que cada família, cada pai e mãe é que têm de decidir. Eu só me sinto na obrigação de os informar dos riscos. E os pais decidem sempre pelo que é melhor para todos.

Nos primeiros anos a maioria dos pais é bastante rígida na alimentação. A partir dos três, quatro anos começam as asneiras, as excepções e a banalização de comida menos saudável. E as asneiras têm de ser grandes senão não tínhamos estes números assustadores de obesidade infantil. Como fazer para que as nossas crianças, desde pequeninas, gostem mais de comida saudável?
Temos de ir muito mais atrás do que os primeiros anos. Muitos estudos demonstram que o que a mãe come na gravidez, o bebé sente. Portanto, se quer que o filho goste de comida saudável deve comê-la durante a gravidez porque os sabores vão no sangue, atravessam a placenta para o bebé.
Para continuar a encorajar o gosto pela comida saudável, a mãe tem de alimentar-se correctamente enquanto amamenta, porque o sabor passa no leite e o bebé interpreta todos os sabores que recebe pela amamentação como boa comida.
Portanto se quer que os seus filhos gostem de brócolos, deve comê-los na gravidez e enquanto amamenta. Há uma experiência muito interessante que foi feita com grávidas: um grupo bebia sumo de cenoura e outro sumo de laranja. Depois de nascerem, aos seis meses, quando começavam com os sólidos os bebés das mães que tinham bebido sumo
de cenoura comiam cereais misturado com sumo de cenoura mas não comiam se fosse misturado no sumo de laranja. E vice versa. Se a grávida e a mãe comerem bem, a criança cresce com bons hábitos alimentares. E como também defendo que as crianças devem ser amamentadas em exclusivo até aos cinco/seis meses a partir do momento em o bebé consegue agarrar objectos e desenvolve a chamada pinça (pegar com o indicador e o polegar em pequenos objectos) sugiro que uma variedade de comida saudável deve ser oferecida ao bebé no tabuleiro da cadeira para que possa escolher o que quiser comer. Vários estudos demonstram que, se for dada comida variada a um bebé, ele tende a fazer escolhas saudáveis. Se quiser que o bebé coma vegetais primeiro, ofereça vegetais variados: ervilhas, brócolos, tomate, ervilhas, feijões. Aos poucos, começa-se a juntar proteínas, preferencialmente carne branca. A fruta também pode começar a ser dada: pedacinhos de banana, maçã, pêra. Todas as experiências têm de ser feitas quando o bebé tem fome.
As dificuldades começam com a socialização e as festas de aniversário da família e de amigos da escola.
Isso não tem de ser um problema, desde que se explique bem à criança que o que se passa em casa é o normal e o que se come em festas é raro. E não se fazem festas todos os dias. As crianças percebem muito bem a diferença.

Os números da obesidade infantil portuguesa, à semelhança de outros países, são assustadores.
Vi os números portugueses e estão bastante mal também. Acho que, em especial, as mães confundem comida com amor. Mas dar guloseimas e excesso de comida ou má alimentação não é dar amor é dar doenças, como a diabetes, doenças cardio-vasculares, e ataques cardíacos. Só alimentação saudável é amor.

Os programas que os Governos têm vindo a desenvolver em parceria com entidades académicas e empresariais fazem diferença?
Eu sei que sim. Vi os resultados de programas de combate à obesidade em 30 países, incluindo Portugal, e o impacto na obesidade infantil tem revelado uma taxa de sucesso impressionante. E o sucesso deve-se sobretudo ao envolvimento de muitos parceiros, desde os governos, à saúde, educação, à indústria alimentar no alcance de objectivos sustentáveis a longo prazo que requerem a colaboração estreita entre todos eles. E uma conclusão que retiro é que os programas cujos relatórios revelam melhores resultados são os que têm como aliados a indústria alimentar, que aposta na saúde dos consumidores o que acaba por lhes ser favorável em termos de mercado.

Estes programas permitem ter resultados a curto prazo?
Sim. Os que eu conheço revelam resultados imediatamente

QUEM É MIRIAM STOPPARD
Médica, especializou-se, desde 1970, nos temas da gravidez, parto e pediatria. Autora de inúmeros livros sobre saúde, Miriam Stoppard afirma que quer dar toda a informação disponível às famílias para criarem crianças felizes. Presença assídua na televisão inglesa em programas de medicina e saúde. Cronista habitual em jornais britânicos, veio a Portugal a convite da Nestlé para moderar um debate no Congresso de Nutrição, no Porto.

Fonte: Pais e Filhos

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