Placenta é tudo! |
Por Michaela Von Schmaedel | |
18 de Fevereiro de 2008 | |
Tem gente até que defende a idéia de que comer um pedacinho dela depois do parto faz bem para a mãe e o bebê. Acredite ou não, uma coisa ninguém pode negar: ela é poderosa mesmo! Tom Cruise causou um escândalo quando declarou que pretendia comer a placenta de sua mulher logo após o parto de sua filha. Mas a verdade é que esse ato não é tão incomum assim. Há quem concorde e quem discorde, claro. O que ninguém discute é a importância desse órgão tão especial que nutre a vida durante os nove meses da gestação. Fora do mundo das celebridades, a designer carioca Gilda Midani provoca rebuliço quando conta suas experiências pós-parto. É que ela comeu parte de sua placenta quando nasceu seu primeiro filho, João Vicente, hoje com 23 anos, e fez o mesmo quando deu à luz a Ana, de 15. A idéia pode parecer estranha, mas a placentofagia (ato de comer a placenta depois do parto) é algo extremamente comum entre as fêmeas do mundo animal (vegetarianas ou não) e também é uma tradição que sobrevive entre algumas mulheres de diferentes países pelo mundo. A explicação para isso é simples: acredita-se que a placenta tenha algumas substâncias, como opióides naturais, que poderiam dar uma sensação de bem-estar pós-parto e estimular a produção de leite. No entanto, a maior parte dos médicos afirma que é pouco provável que essa sensação seja melhor do que comer um bom filé de carne bovina, uma vez que a maioria das substâncias seriam destruídas no preparo ou na digestão da placenta como alimento. Independente de comer ou não, a placenta tem uma estrutura maravilhosa, desenvolvida ao longo da evolução das espécies para prover uma perfeita troca de nutrientes e oxigênio entre a mãe e o bebê, além de fabricar uma grande quantidade de hormônios. Também produz o líquido amniótico, importantíssimo para o desenvolvimento do bebê e sua proteção. "No caso dos mamíferos, como o cão e o gato, as fêmeas consomem a própria placenta para suprir uma necessidade de nutrição, uma vez que ficam impossibilitadas temporariamente de procurar alimento. Além disso, agindo assim elas apagam possíveis rastros que permitiriam aos predadores encontrá- la indefesa com suas crias. O ser humano bem alimentado não necessita dessa ingestão, mas nada impede que a faça", diz o obstetra Abner Lobão Neto, pai de Arthur, coordenador do Pré-Natal Personalizado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De caso (bem) pensado Gilda Midani decidiu comer a placenta depois de assistir a palestras da médica austríaca Eva Reich. Na época, ela veio ao Brasil falar sobre a importância do parto natural e do vínculo entre mãe e filho. "Foi quando explicou também tudo o que a placenta tinha de bom e os benefícios de comê-la após o nascimento pra prevenir depressão pós-parto e aumentar a produção de leite. Achei lindo e resolvi falar com meu médico, um alopata supertradicional na época, que achou graça da minha decisão. Mas eu fui em frente. Depois do parto do João, pedi um pedaço, comi e não achei nada ruim. Na verdade, tem uma textura parecida com a da uva e não tem gosto de nada", lembra. No segundo parto, Gilda foi mais preparada: levou um liquidificador pra maternidade! "Logo após o parto, pedi pra que fizessem uma vitamina com parte da placenta, laranjas e tomate, como recomendava Eva Reich", conta. Coincidência ou não, Gilda se sentiu uma fortaleza depois dos nascimentos de seus filhos. "E olha que eu tinha motivo de sobra pra ter depressão já que minha vida e meus casamentos estavam caóticos", diz. Marília Calil Salim, obstetra do Rio de Janeiro que pertence ao grupo de Profissionais Humanizados, lembra bem da história de Gilda. "Fiz o segundo parto dela, de cócoras, e recordo que depois da filha nascer ela tomou a tal da vitamina com placenta. Achei isso muito bonito na época. Mas claro que é uma coisa bem pessoal que, para ser feita, precisa fazer total sentido pra mãe. Comparo a placenta com uma raiz, que nutre o feto durante a gestação. E, quando ela acaba, perde sua função. Então, por que não nutrir a própria mãe?", diz. A maioria dos médicos, no entanto, não aprova a prática. E a maior parte das mulheres também não embarca nessa. "Na Ásia, região onde as mulheres cultivavam o costume de comer a placenta depois do parto, hoje o que se faz são estudos relacionados às células multipotentes desse órgão. Isso porque se acredita que elas podem se tornar uma rica alternativa diante da polêmica sobre o uso de células embrionárias nas pesquisas com células-tronco", explica José Bento de Souza, ginecologista e obstetra do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Agora, para alimentar ou tratar de depressão pós-parto, ele prefere outras alternativas. "Hoje dispomos de terapias muito melhores e menos aversivas para os problemas que podem ocorrer no pós-parto do que a ingestão da placenta, não é mesmo?" Polêmicas à parte Há quem veja nesse costume um fundo psicológico. Pode ser uma tentativa de a mãe "incorporar" o bebê. "Freud fez um trabalho chamado Totem e Tabu que fala sobre isso. O ato de comer a placenta seria uma volta aos rituais primitivos e uma tentativa de incorporar os atributos do bebê, de se sentir mais próxima dele. Como se o casal que fizesse isso quisesse regredir ao mesmo estágio do recémnascido para entender suas necessidades", explica Anne Lise Scappaticci, psicanalista e professora de terapia familiar da Unifesp. Bom, não cabe a nós julgar se a declaração de Tom Cruise tinha apenas a intenção de causar polêmica ou se ele estava pensando mesmo em fazer um ritual para se sentir mais próximo de sua filha. Nem dá para afirmar que é certo ou errado imitar os animais e comer a placenta logo após o parto. O interessante dessa polêmica é parar para pensar e respeitar as novas - ou velhíssimas - idéias e rituais da natureza. Se pensarmos direitinho, veremos que eles são muito sábios. Afinal, temos mesmo é que venerar esse órgão ao mesmo tempo tão frágil e tão poderoso. Placenta é vida. E isso é tudo! CONSULTORES - Anne Lise Scappaticci, psicanalista e professora de terapia familiar da Unifesp, tel. (11) 5083-5320 - Abner Lobão Neto, obstetra coordenador do Pré-Natal ersonalizado da Unifesp-EPM, tel. (11) 5576-4000 - Fernando Barboza de Lima, ginecologista e obstetra, tel. (11) 3887-3449 - José Bento de Souza, ginecologista e obstetra do Hospital Albert Einstein, tel. (11) 3845-7902 - Marília Calil Salim, obstetra do grupo de Profissionais Humanizados, tel. (21) 2286-2134 O QUE ELA TEM DE ESPECIAL? *Ela é uma mistura de tecido fetal com os tecidos da mãe e um enigma em termos imunológicos. No fundo é um corpo estranho dentro da mulher que protege outro corpo mais estranho ainda, o bebê. E nem por isso o sistema de defesa do organismo materno os ataca. Pelo contrário, faz tudo para preservá-los. *No final da gestação, a placenta pesa entre 500 a 800 gramas. Tem uma espessura que vai de 1 centímetro nas bordas a 4 centímetro na parte central. Ela se forma junto com o embrião, mas só começa a apitar a partir do terceiro mês de gravidez. Aí é ela quem dá as cartas. Produz os hormônios fundamentais para manter a gestação, o líquido amniótico, filtra o sangue da mãe para fornecer nutrientes e oxigênio para o bebê e ainda impede a passagem de boa parte de substâncias que podem fazer mal a ele. *A maioria tem o formato de um disco (outras são ovaladas ou se parecem com uma raquete) e do centro sai o cordão umbilical. Funciona como uma base de onde saem as duas membranas opacas que se sobrepõem e formam a bolsa amniótica, que é parecida com um balão e onde fica o bebê nadando em todo aquele líquido. *O disco placentário, como os médicos o chamam, fica com a parte externa grudada na parede do útero, geralmente na mais alta ou posterior. Quando ele gruda no colo do útero, acontece o que os especialistas chamam de placenta prévia e daí o bebê não consegue nascer de parto normal pois teria de rompê-la, o que causaria uma hemorragia muito grande. *Em aparência, ela se assemelha ao tecido renal, mas é composta por células superespecializadas que não têm nada a ver com as outras que formam nosso corpo. Do ponto de vista químico, tem mais água do que qualquer outra coisa. Mas conta também com proteína (na formação dos vasos), gordura e cálcio (principalmente em gestante hipertensas). *Um dos principais inimigos da placenta é a hipertensão. A alta pressão sanguínea "bombardeia" o tecido placentário e há um aumento da deposição de cálcio (chegando a formar pedrinhas), o que diminui a eficiência de trocas entre mãe e bebê. Sem receber nutrientes e oxigenação nas quantidades necessárias, a criança não tem um desenvolvimento adequado. O fumo também pode causar o mesmo problema. Algumas substâncias do cigarro atuam contraindo os vasos placentários, o que também tornam menos eficientes as trocas entre mãe e filho. *Como filtro, a placenta só consegue barrar as substâncias com moléculas grandes. Não é o caso do álcool, que acaba chegando ao bebê. Por isso, os filhos de mães dependentes ao nascer têm crise de abstinência. |
Fonte: ONG Amigas do Parto
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