13 novembro, 2012

Consequências emocionais das práticas actuais de dar à luz


Um texto muitíssimo bem conseguido sobre a importância do respeito para com a grávida, a parturiente, os recém-nascidos e seus pais...não resisti em reproduzi-lo!!!!

Há uma época na nossa vida em que sentimos um impulso inevitável, uma adoração pelos pequenitos, uma vontade de ser mãe ou pai. Na nossa sociedade ocidental esta força criadora original embate muitas vezes na palavra gravidez, e mais concretamente na palavra parto. Dar à luz, apesar da conotação poética, tem uma sombra que é sinónimo de perigo.
De onde vem e como desmontar esse medo? Como resgatar o milagre da evolução que é o nascimento de um ser humano, como liberar a onda de felicidade, e a reverência que lhe são devidas? Será que temos medo da imensidão desse amor e dessa entrega às forças arcaicas que resultam na magia do nascimento? Que tipo de apoio efectivo é prestado às grávidas, às parturientes e aos seus companheiros, e quais são as implicações do modo como hoje lidamos com todo o processo do parto/nascimento?   

Dar vida e ter filhos quer dizer assumir responsabilidades e entrar no amor e na confiança

Antigamente dizia-se que uma mulher grávida estava de esperanças. Na época do diagnóstico pré-natal isso já quase não se pode afirmar. O objectivo hoje é oferecer às mulheres o melhor acompanhamento médico possível, e excluir todas as eventualidades, nomeadamente deficiências e doenças hereditárias. As ecografias fazem parte do dia-a-dia de uma grávida, embora raramente sejam necessárias e não melhorem os resultados pré-natais. Trata-se aparentemente de reduzir o medo às mulheres e de lhes transmitir que terão com a maior das probabilidades uma criança saudável. No entanto o esperar pelos resultados de todos os exames e o conferir das estatísticas aumenta o medo. A segurança que o diagnóstico pré-natal aparentemente confere leva frequentemente à insegurança e a questões éticas que simplesmente ultrapassam a capacidade dos pais. Estas situações ameaçam e interrompem repetidamente o vínculo com o feto.

Segundo os conhecimentos actuais é a criança que dá os primeiros sinais hormonais que desencadeiam o parto. Isto quer dizer que internamente a criança tem um plano temporal, ela não só participa na decisão de quando vai nascer, podemos mesmo dizer que o nascimento é um acto decidido pelo feto. Ao esperar por este momento a mãe e os profissionais que assistem ao parto e ao nascimento mostram um sinal de respeito pela criança. Tomando esta atitude dá-se o devido tempo à criança e a mãe até que estejam preparadas para o momento de dar à luz.
O que significa intervir de fora nesse plano temporal interno propositadamente? Interrompe-se um dos mais importantes episódios do processo natural de desenvolvimento. O organismo não vai ter tempo de atingir a maturação. É-lhe retirada a possibilidade de decidir. Nas cesarianas electivas, marcadas e realizadas antes do início do trabalho de parto, faltam um conjunto de hormonas à mãe, a hormona do parto, falta a protecção e as estimulações necessárias ao acto de parir e ao acto de nascer. As crianças são abruptamente, em poucos minutos, arrancadas ao seu meio ambiente conhecido. Muitos recém-nascidos parecem surpreendidos, desprevenidos e desorientados. Subitamente a penumbra, o calor, o suporte e todo o apoio que o útero oferece ao seu corpo desapareceram. Depois de um nascimento assim pode frequentemente reconhecer-se o susto bem presente nos olhos do bebé.
Uma cesariana, quer seja electiva ou de urgência conduz sempre a uma interrupção passageira do processo social de dar à luz: o vínculo, a comunicação emocional e corporal entre mãe e filho sofrem um corte, que vai necessariamente deixar marcas. Cada um dos dois vive a situação individualmente, a anestesia interpõe-se entre eles. Nos primeiros minutos depois do nascimento o filho poderá não estar junto da mãe, e nos dias seguintes muitas mulheres têm tais dores que mal conseguem pegar no bebé ao colo. As mulheres que desejaram um parto vaginal mas que necessitaram de uma cesariana por razões médicas podem ainda sentir-se incompetentes por não terem sido capazes de um parto normal.
Visto do lado da criança as contracções são sentidas pelo seu corpo como um intenso acontecimento táctil e corporal, que exprime o próprio processo de transição. Quando a estimulação prevista na natureza - a contracção do útero e a expansão, no intervalo entre contracções - não é, ou quase não é vivida devido às anestesias, podemos estar perante uma das causas do frequente sentimento de falta de consciência corporal no adulto.
Se no entanto é mesmo necessário recorrer a uma intervenção cirúrgica deste tipo, há muito que se pode fazer para transformar este momento num acto de respeito e dignidade. A criança pode ser recebida de um modo suave e seguro em vez de ser “pendurada no ar”. A transição do ventre materno para o mundo é um passo muito maior que o despertar do sono profundo. Este facto devia ser dignificado por todos os intervenientes no processo do nascimento por cesariana.
Mas há também aquelas crianças que trazem uma aura especial de felicidade à sua volta – talvez aquelas que sem a cesariana não teriam sequer vindo ao mundo com vida.
Ao utilizar inadvertidamente processos para acelerar ou atrasar o nascimento estamos a intervir no ciclo temporal, e com as cesarianas, no próprio acontecimento original e evolucionário da mãe com o seu filho. Por vezes isto é imprescindível para salvar vidas, enquanto que outras vezes não o é. Nestes casos a marcação é definida pelos procedimentos hospitalares, pelo horário do médico ou do pai, ou é definida pelo ideal de juventude e de beleza eternos ou por modas, que são mais fortes que o desejo de ter um parto natural.

Segundo algumas suposições e constatações básicas da psicologia pré-natal, o que observamos desde o momento da concepção é um acontecimento corporal/emocional. O tempo de vida pré-natal marca o início da nossa existência, o útero é o nosso primeiro lar sobre este planeta. O modo como somos recebidos pela nossa mãe e o nosso pai, e as circunstâncias com que nos deparamos durante o tempo da nossa gestação são aspectos decisivos para a nossa vida futura. Estas sensações mais precoces definem o modo como nos colocamos perante o mundo e a postura que adoptamos perante a vida.
De igual modo, a forma como a criança e a mãe dominam o nascimento/parto – visto como um momento de transição e de crise natural – vai ter consequências, que persistirão no desenvolvimento futuro da criança. As condições em que ocorreu o nosso nascimento definem em que moldes iremos agir em futuras épocas de transição e momentos de crise, e até que ponto saberemos aproveitar as hipóteses nelas contidas. Nesta fase precoce fica já delineado o padrão que adoptaremos como adultos.
Estes conceitos da psicologia pré-natal foram entretanto confirmados de modo surpreendente pelos avanços da neurociência. Uma criança que já tenha a predisposição para entrar em reacções de stress, determinada pela sua informação genética, pode vir a desencadeá-las com mais facilidade devido à vivência de determinadas situações: stress da mãe na gravidez, dificuldades durante o nascimento, separação da mãe depois do nascimento ou stress da mãe depois do parto. Estas vivências precoces podem levar a que no jovem indivíduo, a longo prazo, a reacção ao stress seja menor do que o que seria normal, o que por exemplo na idade adulta pode conduzir a uma maior tendência a medos.
Um conceito base das terapias psico-corporais baseadas em Wilhelm Reich é o ritmo de vida que faz pulsar cada uma das células do corpo: um movimento permanente para dentro e para fora. Em condições ideais pulsamos como um organismo integral, somos saudáveis e sentimo-nos vivos. Se este movimento é abalado por um acontecimento traumático repentino ou por repetidas circunstâncias perturbantes, podem surgir bloqueios a nível do corpo ou da alma. Estes bloqueios acabam por constituir uma memória celular do organismo. Nomeadamente durante o nascimento podem surgir situações traumatizantes que deixam ”ferida”, como por exemplo o uso de medicamentos, circunstâncias súbitas de emergência médica, mas também atitudes bruscas e insensíveis que atentam contra a dignidade da mãe e do bebé. É frequente as mulheres serem interceptadas com violência e desrespeito durante o trabalho de parto. Esta violência é sentida quando elas não sabem de que modo se está a intervir no seu corpo ou quando não compreendem o porquê dessa intervenção, ou quando a tutela de outros se sobrepõe à vontade da mulher e ela deixa de ser encarada como uma pessoa adulta. Destas interferências num processo evolucionário central como o é o nascimento resultam bloqueios corporais e emocionais, o que é igualmente confirmado pelos estudos da neurociência.
De todas estas constatações científicas se conclui que uma rede de apoio social segura e eficiente, que actue antes, durante e depois do nascimento, vai necessariamente funcionar como factor preventivo de base, fortalecendo e protegendo a resistência ao stress e um desenvolvimento cerebral e emocional mais saudável dos indivíduos.

Um nascimento natural, que é apoiado e não sistematicamente perturbado (que decorra sem situações de emergência) é sempre sentido como um acontecimento determinante. É um acontecimento humano que provoca fortes picos de sensações. Mãe e bebé passam por um processo avassalador de uma imensa intensidade. Talvez a parturiente viva facetas suas que lhe eram desconhecidas até então: mulheres frágeis que rugem como leoas; mulheres educadas que praguejam e insultam. Juntos eles estão entregues a este processo e dependem um do outro.
A interacção entre mãe e filho é como um acontecimento profundamente social: duas pessoas vivem em conjunto algo de nobre, vivenciam cada uma à sua maneira as imensas dores de parto, as pausas entre as dores e o dar à luz / sair para o mundo, num quadro de segurança e suporte. O medo do episódio arcaico e da dor é vivido e ultrapassado. Desta experiência de vida tão extrema surge uma sensação de força, um sentimento de ter ultrapassado em conjunto algo de muito especial. Sejam quais forem os sentimentos e as dores que acompanharam o parto, mãe e filho passaram juntos por esta experiência, amparados por aqueles que com o máximo respeito deram apoio a todo o processo. Se o pai esteve presente no nascimento é frequente ele estar orgulhoso da sua mulher por ela ter ultrapassado esta intensa vivência, trazendo enfim ao mundo o filho de ambos.

Acaba de nascer mais um ser humano, o milagre da evolução voltou a acontecer! Quando todos os intervenientes dão ouvidos às suas necessidades, e aos instintos e ritmos da mãe e da criança, surgem sentimentos grandiosos e uma vontade imperiosa de anunciar ao mundo inteiro que nasceu um novo ser, para que todos possam partilhar dessa alegria.

Esta celebração da vida só pode existir se se partir de uma postura de consideração e respeito para com a grávida, a parturiente, os recém-nascidos e seus pais. Os profissionais que esclarecem os jovens casais devem ter o cuidado de lhes explicar a importância de escolher o caminho mais natural e ancestral para o nascimento. Neste trabalho é fundamental uma atitude empática, baseada na compreensão da situação de cada mulher, mas com o objectivo claro de ajudar a resgatar aconfiança na natureza encorajando simultâneamente a sua auto-afirmação, noções que estão actualmente, na nossa civilização, longe do processo de gravidez e nascimento. São estes pressupostos que permitem libertar os corações para que o amor possa fluir, nomeadamente entre os pais e a criança.

Paula Diederichs[1]adaptado por Claudia Pinheiro
Março 2008

[1] Publicação original: Hebammeninfo 5/06: Die Sektio im Brennpunkt: Ist es egal, wann und wie wir geboren werden? Die emotionalen Auswirkungen der modernen Geburtspraktiken. (A Cesariana em debate: Tanto faz, onde e como nascemos? Sobre as consequências emocionais das práticas modernas de nascer) de Paula Diederichs, em www.asaseraizes.pt/textos  


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